Inovação e criatividade andam de mãos dadas e no mundo atual a sua importância destaca-se em qualquer área. O Empreendedorismo Social, que procura soluções para os desafios diários do mundo, respira desta junção e por isso, é que é cada vez mais importante, as comunidades terem espaços que abram o caminho para “pensar fora da caixa”. O Kriativu em Chelas, um conhecido bairro social em Lisboa, é um deles.

Ver também em: Empreendedorismo Social: Todas as comunidades precisam de um espaço Kriativu – Balai

Para quem entra pela primeira vez, o Kriativu parece um espaço caótico. Assim que a porta é aberta, ouve-se de 5 em 5 minutos:

“Varela, posso usar o skate?”

“Varela, podes chegar aqui?”

“Varela, posso entrar para ver os ténis?”

Há um grupo de crianças e adolescentes que rodeiam a entrada à espera de saber que atividades haverá nos próximos dias. A aceitação do espaço Kriativu no Bairro do Armador foi muito boa e bastante fácil, de acordo com Nuno Varela, o criador do conceito.

“Eu gosto de pensar que o Kriativu é um pólo de desenvolvimento de criatividade que dá espaço e ferramentas aos miúdos para se desenvolverem em diferentes áreas, seja no desenho, na música, empreendedorismo social, mil coisas que já fazemos aqui com ajuda de profissionais da área”, explicou.

“Temos o Wilson que lhes ajuda no desenho em tela ou em ténis, por exemplo, workshops de grafites; eu na parte da música, contactos, gestão, Direitos de Autor, produção, edição ou o que mais seja necessário; o Tibunga, que é modelo internacional, apoia na parte do empreendedorismo social e da moda. Também lhes damos algumas ferramentas para o desenvolvimento de marcas, entre outras coisas”, contou.

É um espaço pequeno onde acontecem grandes atividades e se num dia pode haver um workshop de customização de ténis, noutro pode haver uma sessão de música com grandes Djs e Rappers nacionais e internacionais, ou mesmo uma exposição artística de quadros ou fotografia. A diversidade não encontra limites na criatividade e o facto de a casa estar sempre cheia concentra-se exatamente na grande adesão da comunidade que o espaço tem tido desde 2021.

Nuno Varela, o pensador do Kriativu, juntou mais dois amigos com caminhos semelhantes de ascendência africana e que tinham triunfado também através da cultura e criatividade, para poder estruturar um espaço cultural direcionado para a interação.

De pais cabo-verdianos, mãe da Assomada e pai do Tarrafal da ilha de Santiago, Varela nasceu em Portugal e viveu toda a sua infância e uma grande parte da vida adulta em Chelas. Mais conhecido como o Padrinho, por ter apadrinhado muitas causas culturais, percebeu ao longo da sua vivência em Chelas, que o bairro tinha mais a oferecer que as notícias de criminalidade na comunicação social. 

Começou a desenhar o seu primeiro projecto “Hip Hop sou eu” há quase duas décadas, sem imaginar que seria o caminho para abertura de um espaço criativo para a sua comunidade.

Com um computador fez sites com ajuda de amigos, sempre alinhado com a ideia de dar ao Hip Hop português outra vida através de um jornalismo especializado. Em 2007, o projecto sai à rua e começa a conquistar o público da área, sedento por informações e notícias sobre aquele estilo de música. 

Com muitos contactos de artistas e marcas, passa rapidamente a criar festivais e atividades musicais. Em 2012, cria a Liga Knock Out, aquele que se tornou no maior evento de Batthel Rap do País e da Lusofonia, segundo Varela. Tornou-o um produto de exportação, o que lhe deu asas para a criação de um networking a nível global. A Liga Knock Out ainda hoje é um produto de sucesso, com capacidade de trazer visibilidade a novos grupos de Rap.

Apresentou podcasts, programas, organizou os mais variados eventos, fez gerenciamento de artistas, até que se tornou uma marca indissociável do Hip Hop. 

Em 2021, Varela percebeu que era tempo de regressar ao caminho inicial. Após a participação numa feira criativa na Alemanha, pensou que era tempo de criar um projecto semelhante no seu país, melhor ainda seria em Chelas, no Bairro do Armador. 

Houve uma sensação de atrito inicial. Hip Hop e o conceito de uma associação artística pareciam não conjugar, no entanto, o esforço de adaptação foi mútuo. As organizações tiveram de se habituar a ver uma figura negra a advogar por uma voz cultural no bairro e Varela também teve de se adaptar ao formato que faria mais sentido para esta ideia de abrir um espaço criativo para uma comunidade constantemente subjugada a conotações negativas.   

“Este espaço era inicialmente para uma faixa etária dos 15 aos 25 anos e era para abrir poucos dias por semana”, mas na realidade de um bairro que ainda tem poucas oportunidades para os mais jovens, a adesão foi maciça, especialmente do público mais infantil para ter acesso ao estúdio de gravação de música, aos workshops de pintura urbana e às bicicletas. Mas também dos adultos que procuram apoio para preenchimento de documentos e informações de cidadania, que não conseguem encontrar noutros locais.

O Kriativu nasce na mesma altura do programa irmão “Chelas é o sítio”, que também se baseia no apoio de figuras públicas, especialmente ligadas à música, para mudar o estigma do Bairro de Chelas.

“Este formato de sala multiusos com BMC (customização de ténis), bicicletas e música é o conceito que eu gostaria de replicar, caso abrisse um Kriativu noutro local com a mesma identidade gráfica”, disse.  

O Kriativu tornou-se também num espaço com poder de negociação junto das organizações locais para trazer mais à comunidade e exemplo disso é o mais recente projecto “Gazeta do Bairro”, que junta a criatividade ao jornalismo cidadão, numa plataforma que quer reescrever a realidade de um bairro construído por muito mais que a criminalidade.

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