No dia Internacional da Favela quisemos saber com os especialistas o que é realmente viver neste contexto de habitação vulnerável. Wilson P. Xavier de Pina é um arquiteto com grande conhecimento sobre as construções clandestinas, situação que prolifera em todas as ilhas de Cabo Verde, mas que este ano analisamos à lupa do desastre natural que aconteceu na ilha de São Vicente, no dia 11 de agosto.
O caso da ilha de São Vicente por Wilson P. Xavier de Pina:

É por todos, hoje, facilmente reconhecido o problema da proliferação de loteamentos e construções clandestinas na periferia dos principais centros urbanos do país. Este fenómeno, longe de estar em decréscimo, vem acentuando-se e tomando novos aspetos urbanísticos, sociais e económicos, a que não é estranha a crise económica, que se reflete diretamente nos sistemas de produção de habitação e no processo de expansão urbana.
Construções clandestinas são aquelas executadas sem autorização prévia do município, o que gera sérios problemas sociais, urbanísticos e de segurança, embora muitas vezes surjam como uma solução habitacional diante do déficit de moradias. A reflexão sobre o tema envolve o conflito entre a necessidade social de moradia e a importância do ordenamento territorial, da segurança pública e do cumprimento da lei.
As construções clandestinas agravam as mudanças climáticas ao não respeitar a legislação ambiental, destruindo áreas verdes, poluindo rios e solo, e emitindo gases de efeito estufa. Elas também tornam as comunidades mais vulneráveis aos impactos do clima, como inundações e deslizamentos, por ocuparem áreas de risco e não serem construídas com segurança e resiliência adequadas.
As construções irregulares em São Vicente têm contribuído para a intensificação dos danos causados pelas fortes chuvas, principalmente em áreas de ribeiras como Chã de Alecrim e Ribeira Bote. As construções nessas áreas impedem o fluxo normal da água, causando alagamentos, desmoronamentos e destruição de infraestruturas, como o caso da tragédia em agosto de 2025 que causou mortes e destacou a fragilidade urbana da ilha devido à proliferação de construções clandestinas.
Em entrevista à Rádio de Cabo Verde (RCV), o vereador da Proteção Civil de São Vicente, José Carlos da Luz, destacou que a tragédia foi agravada pela ocupação desordenada das zonas, com construções em leitos de ribeiras e encostas instáveis.
“São Vicente sofre a influência das migrações internas das outras ilhas. As pessoas que se deslocam a São Vicente não têm as condições mínimas de habitabilidade e constroem no leito das ribeiras e às vezes nas encostas”, pontuou, reconhecendo a dificuldade da câmara em controlar as construções.
Segundo dados do V Recenseamento Geral da População e Habitação, a ilha alberga mais de 1.700 casas de lata – mais de metade das existentes em todo o país.
No dia da Favela, que se traduz na data em que internacionalmente é colocada visibilidade para estas situações de desigualdade social, colocamos a tónica nesta questão importante que é a habitação condigna para que ela possa também criar ambientes de bem-estar pessoal e social. O que afeta localmente, contribui para o desenvolvimento global e por isso, as soluções devem ser coletivas.
Agradecemos a contribuição do Arquiteto Wilson P. Xavier de Pina.