Ao olhar para 2026, muitos analistas descrevem um mundo marcado menos por um regresso suave à estabilidade e mais por aquilo que o PNUD caracteriza como condições de “incerteza sistémica”, nas quais volatilidade económica, fragmentação política e pressão climática interagem de forma mutuamente reforçada (UNDP, 2023). As perspectivas globais de instituições como o FMI e o Banco Mundial apontam para um crescimento positivo, mas desigual, com riscos persistentes ligados à inflação, às tensões comerciais e a finanças públicas constrangidas, enquanto desigualdades duradouras continuam a corroer a coesão social e a confiança nas instituições (IMF, 2025; World Bank, 2025). Para a sociedade civil e para as organizações sem fins lucrativos, isto não é apenas um pano de fundo macroeconómico; é o contexto operativo em que se tomam decisões sobre programas, parcerias e, em muitos casos, sobre a própria sobrevivência organizacional.
Neste ambiente, a ideia de 2026 como uma simples fase “pós‑crise” é enganadora. O ano assemelha‑se mais ao que estudiosos da governação descrevem como um interregno prolongado, em que antigas certezas se enfraqueceram, mas novas configurações institucionais ainda não se consolidaram (UNDP, 2023). Comentadores sobre governação e contrato social argumentam que crises de segurança, coesão social e legitimidade institucional se cruzam, criando simultaneamente riscos de retrocesso e oportunidades para novas formas de participação cívica (Tubelight Talks, 2025). Para as organizações da sociedade civil, esta dualidade traduz‑se num teste à sua relevância e ao seu valor público: as entidades capazes de demonstrar contribuições sociais claras, governação ética e capacidade adaptativa tendem a ganhar confiança, enquanto aquelas que dependem apenas de reputações herdadas podem ser empurradas para a margem de arenas cada vez mais concorrenciais e politizadas (Zambrano, da Silva & Dias, 2021).
A investigação sobre redes de organizações da sociedade civil reforça este ponto. Num estudo comparativo com vinte organizações, Zambrano et al. (2021) mostram que entidades inseridas em redes colaborativas apresentam perfis mais robustos de gestão e desempenho, sobretudo nas dimensões de planeamento, direcção estratégica e selecção de membros. Os resultados sugerem que a pertença a redes bem estruturadas aumenta o acesso a recursos, informação e capacidade de influência, permitindo respostas mais coerentes a contextos complexos (Zambrano et al., 2021). Num ano como 2026, em que pressões de governação e demandas sociais se intensificam em simultâneo, estas estruturas em rede podem funcionar tanto como amortecedores—ao distribuir riscos e capacidades—como amplificadores, ao tornar possíveis respostas coordenadas que seriam difíceis para organizações isoladas.
A literatura estratégica sobre o sector não lucrativo oferece evidência complementar sobre o papel do planeamento nestes contextos. Com base em dados de inquéritos a organizações sem fins lucrativos, McNerney (2025) conclui que a existência de um plano estratégico está positivamente associada a maior capacidade e melhor desempenho organizacional, mesmo quando se controlam factores como dimensão e recursos. O seu estudo mostra, de forma interessante, que algumas ferramentas muito utilizadas, como a análise SWOT tradicional e certos modelos de scorecard, revelam eficácia relativamente baixa em ambientes turbulentos, ao passo que técnicas como o mapeamento entre missão e estratégia, a análise de tendências externas e a auscultação estruturada de stakeholders são avaliadas como mais impactantes (McNerney, 2025). Estes resultados dialogam com trabalhos anteriores sobre gestão estratégica em organizações sem fins lucrativos, que sublinham que a estratégia é mais efectiva quando tratada como processo dinâmico de construção de sentido e tomada de decisão, e não como documento pontual (Bryson, 2011; Moore, 2000, citados em McNerney, 2025).
As abordagens de planeamento de cenários aprofundam esta passagem de uma estratégia estática para uma estratégia dinâmica. Os trabalhos da CIVICUS sobre futuros da sociedade civil e os materiais produzidos pela INTRAC apresentam o planeamento de cenários não como exercício de previsão, mas como forma disciplinada de explorar um conjunto limitado de futuros plausíveis e submeter as escolhas organizacionais a “provas de esforço” em cada um deles (CIVICUS, 2021; INTRAC, 2022; 2024). Ziervogel et al. (2018), ao reflectirem sobre planeamento de cenários transformativo em contextos de adaptação climática, defendem que processos participativos de cenários ajudam os actores a desenvolver compreensão partilhada dos desafios actuais e das trajectórias possíveis, permitindo decisões mais legítimas e robustas. O trabalho do programa ASSAR e de parceiros como a Reos mostra ainda como o planeamento de cenários pode servir de plataforma para co‑produção de respostas, à medida que diferentes actores exploram, em conjunto, opções e compromissos ao longo do tempo (ASSAR, 2004; Ziervogel et al., 2018).
Para organizações da sociedade civil e entidades sem fins lucrativos que olham para 2026, estes contributos convergem num conjunto de implicações práticas. Em primeiro lugar, planear em contexto de incerteza significa menos prever um trajecto único e mais preparar‑se para vários caminhos plausíveis, cada um com riscos e oportunidades próprios (CIVICUS, 2021; INTRAC, 2024). Em segundo lugar, processos estratégicos que trazem as partes interessadas—equipas, comunidades, parceiros e até vozes críticas—para um diálogo estruturado tendem a gerar não apenas melhor informação, mas também maior apropriação das decisões e mais capacidade de adaptação quando as condições se alteram (Ziervogel et al., 2018; McNerney, 2025). Em terceiro lugar, organizações que se posicionam dentro de ecossistemas e redes, em vez de actuarem isoladamente, encontram‑se em melhor posição para influenciar os debates de governação emergentes e aceder a novas fontes de recursos, como sugerem o trabalho de Zambrano et al. (2021) sobre redes da sociedade civil e o Civil Society Organisation Sustainability Index (USAID, 2021; Zambrano et al., 2021).
Deste modo, 2026 pode ser lido não apenas como ano de exposição a choques externos, mas também como ano de escolhas. Abordagens de planeamento adaptativo, participativo e orientado para a aprendizagem convidam as lideranças a ir além de posturas defensivas e a envolver‑se numa experimentação deliberada, usando a incerteza como lente para clarificar a missão, repriorizar portefólios e renovar parcerias (McNerney, 2025; NeyA Global, 2025). Em vez de se agarrar a planos estáticos ou de abandonar o planeamento, as organizações são encorajadas a tratar a estratégia como conversa viva, revista regularmente à luz de novos dados, feedback e sinais políticos (Bryson, 2011; INTRAC, 2022). Num mundo em que a certeza deixou de ser expectativa realista, a capacidade de planear—de forma crítica, colectiva e iterativa—pode tornar‑se uma das poucas vantagens duradouras que a sociedade civil e as organizações sem fins lucrativos podem cultivar ao entrarem nas incertezas e oportunidades de 2026.
Referencias:
ASSAR. (2004). Using transformative scenario planning to build common understanding. ASSAR. https://assar.uct.ac.za/themes-participatory-processes/using-transformative-scenario-planning-build-common-understanding
CIVICUS. (2021). CIVICUS scenario planning: Civil society futures. CIVICUS. http://civicus.org/documents/CIVICUS-Scenarios-Final-March2021.pdf
INTRAC. (2022). Strategic thinking and planning in civil society organisations course toolkit. INTRAC. https://ngo-sc.org/wp-content/uploads/2022/01/INTRAC-Strategic-Thinking-and-Planning-in-CSOs-Toolkit.pdf
INTRAC. (2024). Scenario planning. INTRAC. https://www.intrac.org/app/uploads/2024/12/Scenario-planning.pdf
International Monetary Fund. (2025, October). World economic outlook: All issues. IMF. https://www.imf.org/en/publications/weo
McNerney, D. (2025). Strategic planning in nonprofits – Evidence-based answers. Strategy Magazine. https://strategymagazine.org/stratarticles/issue-40/109-strategic-planning-in-nonprofits-evidence-based-answers
NeyA Global. (2025). Strategic planning and execution in non-profit organizations: Adaptive, participatory, and learning-centered approaches. NeyA Global Research Archive. https://neyaglobal.com/journal-nonprofit/strategic-planning-and-execution-in-non-profit-organizations-adaptive-participatory-and-
Tubelight Talks. (2025, November 6). 2026 crisis of governance: Security, social cohesion and the social contract. Tubelight Talks. https://tubelighttalks.com/2026-crisis-of-governance/
United Nations Development Programme. (2023, March 1). Governance for systemic and transformational change. UNDP. https://hdr.undp.org/content/governance-systemic-and-transformational-change
United States Agency for International Development. (2021). 2021 civil society organization sustainability index. USAID. https://bcnl.org/uploadfiles/documents/The%202021%20CIVIL%20SOCIETY%20ORGANIZATION%20SUSTAINABILITY%20INDEX.pdf
World Bank. (2025, July 14). Global economic prospects. World Bank. https://www.worldbank.org/en/publication/global-economic-prospects
Zambrano, A., da Silva, S. M., & Dias, T. (2021). Civil society organizations networks: Proposing an analytical model for management and performance profiles. Research, Society and Development, 10(5), e1210512108. https://rsdjournal.org/rsd/article/view/12108
Ziervogel, G., et al. (2018). Transformative scenario planning: Spotlight on transformative scenario planning. ASSAR. https://weadapt.org/wp-content/uploads/2023/05/assar_spotlight_on_transformative_scenario_planning_-_march_2018.pdf
