Nu tem um zona inteiro pa tchoma di nos casa e um Kumunidadi inteiro pa no tchoma di nos família”, 

Dominick Donk

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Há um lugar — uma rua de terra batida, um pátio onde se jogava ouril ao fim da tarde, ou uma varanda onde se ouvia música e histórias do Blimundo, herói destemido das ilhas — que guarda os nossos primeiros passos, os nossos medos e os nossos sonhos mais puros. A esse lugar, em Cabo Verde, damos o nome de kumunidadi. Não é apenas o bairro e, certamente, não é feito apenas de vizinhos. É o abraço invisível que nos educou. É onde, apesar de todas as ausências, crescemos inteiros.

Também disponivel em: https://www.balai.cv/balai-style/todos-nos-temos-uma-kumunidadi-que-sustentou-a-nossa-criacao/

Todos nós viemos de uma kumunidadi e a cada caminho novo que conhecemos, carregamos na bagagem esse sentimento de pertença e segurança. 

Crescemos com as regras não escritas do respeito, com os olhos atentos de quem cuidava mesmo sem dizer. Aprendemos a cair e a levantar, a partilhar e a sonhar em grande. Foi ali que ganhámos força de uma vida partilhada — da avó que ensinava com o olhar, do vizinho que emprestava a bola, da tia que vendia fresquinha para que os filhos pudessem estudar.

Mas foi também ali que aprendemos quem somos, afinal as nossas raízes não estão apenas nos livros de História. Estão no cheiro da terra molhada depois da primeira chuva, no sabor da cachupa aquecida no dia seguinte, nos batuques ao longe que anunciavam festa, nas tocatinas de final de tarde ou mesmo nas rodas de histórias na porta de casa ao anoitecer. Está tudo ali — o passado e o futuro, entrelaçados como trança bem feita.

O conceito da Kumunidadi Fest nasce destas raízes que todos nós partilhamos, este sentimento de um tempo que só se sabe descrever no coletivo. É um reencontro com o que somos — e talvez com o que nunca devíamos ter deixado de ser.

Kumunidadi Fest é uma homenagem viva às comunidades que, mesmo sem saberem, criaram líderes, artistas, atletas e pensadores. Em Ponta D’Água, no dia 21 de junho, não se vai apenas celebrar a arte, o desporto ou a cultura urbana. Vai celebrar-se a capacidade de resistir sem endurecer, de criar sem recursos, de empreender mesmo de mãos vazias. Vai-se, sobretudo, reviver o espírito de onde viemos, com a certeza de que ele continua vivo. 

Este é o momento em que celebramos o poder de todas as comunidades e o seu efeito na identidade e capacidade de criar empoderamento coletivo para a transformação social.

Neste espaço simbólico e real, as dificuldades não são obstáculos: são matéria-prima. São elas que nos tornam criativos. Que transformam falta em oportunidade. Que fazem do talento uma via de mudança. É por isso que iniciativas como o Kumunidadi Empreende ou o Kumunidadi Games são muito mais do que atividades. São manifestações da capacidade que cada bairro tem de ser laboratório da vida, de formar jovens resilientes, conscientes e prontos para transformar o mundo com os pés bem assentes nas suas origens.

Ali, ensina-se que “dar certo” não é esquecer de onde se veio, mas sim levar esse lugar consigo, no peito, como bandeira.

Ao homenagear Ponta D’Água, homenageamos todas as kumunidadis — de Cabo Verde ao Brasil, de África ao mundo — que seguram os seus filhos mesmo quando o resto do mundo os empurra para os cantos. 

Kumunidadi Fest é isso: um lugar onde todos pertencem. 

Mais do que nunca, o mundo precisa dessas sementes, por que é na kumunidadi que se constrói o mundo que queremos. 

Todos nós temos uma kumunidadi que sustentou a nossa “criação” e talvez esteja na hora de registar este sentimento para as próximas gerações. Com presença. Com ação. Com orgulho.

Do Brasil, a Central Únicas das Favelas, vocifera “Favela é Potência”.

Em Cabo Verde, nós ripostamos “Kumunidadi é Resiliência”!

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